Nem
queria aqui estar, mas o vento soprou-me ao ouvido e segredou-me que estava na
hora de partir.
A energia
foi mais forte, e não foi apenas o impulso do segredar… O conjunto da
totalidade universal obrigou-me fazer as malas e partir. Partir em busca de
quê? Nem eu sabia! Quando meti todos os
trapos naquela mala nem eu mesma estava convencida de que isso iria acontecer.
Aquela
luz vaga fez a minha cruz mais leve. A minha tensão estava normal, a minha
pulsação não estava reagir à realidade. Ainda não me sentia num abismo
imaginário, ainda não aceitava a sensação.
Nunca
me convenci de que iria partir, nunca soube para o que ia…
Mas, desde que pus os pés neste mundo sempre reagi assim:
por impulsividade.
A
emoção rasga todos os meus raciocínios, e penso que em todas as marés cada onda
tem o seu sentido, porque nada neste mundo é por acaso.
Poderia perceber que
toda esta mudança seria um impacto para os que me rodeavam, mas não para mim.
...
… Antes
de fazer esta mala naveguei em marés muito violentas. O meu barco andava à deriva,
sem vela, sem remos, quase afundado! Todas as tempestades fizeram com que já
não tivesse mais madeira para remendar aquilo que não tinha emenda.
Todos
aqueles gritos no silêncio afinal tinham um sentido. Chegaram aos céus e alguém
me ouviu, e fartando-se da minha própria destruição mandou os ventos
soprarem-me ao ouvido e obrigarem-me fazer esta mala.
Muito
perto de toda a realidade, eu apenas não queria ver aquilo que estava mesmo à
minha frente: tinha chegado a hora da mudança.
Precisava
não só de atravessar terras, como de ficar por muito tempo ausente daquilo que
me tinha tornado longínqua da minha realidade.
A
tortura do meu dia-a-dia jamais permitiria reconstrui-me.
Não
eram conselhos, não eram cápsulas de químicos, não eram lágrimas ou sorrisos adulterados.
Era eu que estava fugir da minha universalidade, e precisava de sair de toda
essa realidade.
E
os ventos obrigaram-me subir mais alto e ficar mais perto das nuvens para
perceber que aquela mala era coisa mais certa que tinha de fazer.
Entre
trapos e memórias, entre fotografias da mente, onde iria eu parar? Não sabia…
nem sabia o que me esperava, muito menos como iria reagir.
Entre
medos das pessoas que me eram próximas, dizendo elas que seria o melhor, mas
com muito medo de como eu iria reagir.
Telefonavam-me
com som de “Será que aguentas esta?” Ficavam quase escandalizados com o meu tom
de voz, de indiferença, de adaptação automática, de inicio de uma felicidade
estranha e incompreensível.
Afinal
secalhar eu mesma não sabia até onde podia ir.
Não
precisava de apanhar um avião para peceber isso, mas não fui suficientemente
forte para o perceber sem ter de atravessar as terras. As terras que distanciam
pessoas, sentimentos, mágoas, memórias. As terras que distanciam o meu “eu”
antes da mala feita, e o meu “eu” depois de recomeçar a minha vida bem longe
daquilo tudo em que eu me estava a degradar.
Vivia
em linhas cruzadas.
Hoje
olho para a palma da minha mão e reajo a linhas que escondo, perdidas no meu
olhar…
Fiz
a mala, e já uns dias que estou aqui… já um meses… não tarda e posso falar “há
um ano”…
E
sinto ainda que este meu cruzar pode nem passar de um capricho ou de uma minha
invenção.
Mas
por que raio devo evitar a mudança?
Se foi
isso que me salvou?!
… Fazer
a mala!
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