Assusta-me viver neste mundo, em escassez e sem qualidade.
Assusta-me ver as crianças que não sabem o que é brincar com
as formigas ou se lavarem de lama.
Assusta-me correr descalça na praia, porque nem o chão da
praia é seguro.
Assusta-me o reflexo de uma rua urbana, em que vejo os seres
humanos privados de alma.
Assusta-me que a música é cada vez mais pesada. E a poesia
cada vez mais extinta.
Assusta-me todas as atitudes de ódio e intolerância. A
falsidade e a falta de bons amigos.
Assusta-me toda a projeção de futuro e toda a miragem do
passado.
Assusta-me envelhecer e perceber que não tenho tempo para
mais nada a não ser para trabalhar.
Assusta-me toda esta febre social, em que o exagero de
sorrisos é um sinal de que ninguém sabe sorrir.
Assusta-me este cansaço, esta rotina de viver neste medo.
Assusta-me o meu reflexo de quando estou só e já não sei
viver sem pressão.
Isto tudo assusta-me, mas habituo-me.
Porque faço parte disto- destes buracos por preencher, dos diálogos
recalcados, e dos sorrisos obrigados.
Tenho saudades do enigma de quando era criança, pensando que
quando fosse adulta iria ser feliz e realizar os meus sonhos.
Neste momento sinto que até o Paraíso precisa de morte, e
que para nos tornarmos anjos, precisamos de nos tornar inexistentes.
Vivo numa catástrofe…
Sempre foram as catástrofes que me fascinaram.
A vibração do difícil.
Mas isto não é difícil… é absurdo de o viver diariamente.
É uma rotina insuportável.
Numa sociedade pútrida!
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